segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Mário Benedetti





              
               Ontem


Ontem, passei o passado lentamente

com sua vacilação definitiva

sabendo-o infeliz e à deriva

com suas dúvidas seladas na mente.



Ontem, passei o passado pela ponte

e se ergueu sua liberdade cativa

mudando seu silêncio em carne viva

por seus leves alarmes de inocente.



Ontem, passei o passado com sua história

e sua incerteza desgastada

com sua marca de espanto e reprovação.



Fui fazendo da dor um costume

semeando de fracasso sua memória

e deixando-me a sós com a noite.



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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Carlos Trujillo



Pássaro bandido



Eleva a pluma, pássaro bandido

E imagina teu vôo na escritura

Essa dama que voa e que consola

E é mirada de luz lá nas alturas.



Traça raios em tinta

Que a aurora

Puríssima senhora

Torna suspiro a voz desnuda







Cachorros sem dono



A palavra às vezes me chega à noite

Como um cachorro sem dono

Me cheira por todos os lados e a cheiro

Eu mesmo como um cachorro

Depois de repetir o ritual por anos

Reconhecemos o cheiro a quilômetros de distância

Buscamos cachorros sem dono

E fazemos do coro uma única e inconfundível voz

Que cheira a si mesmo

Ao cheirar o mundo.




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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

T. S. Eliot




                      Sr. Apollinax


Quando o Sr. Apollinax visitou os Estados Unidos

Sua risada tilintou entre as xícaras.

Pensei em Fragilion, aquela figura tímida entre as árvores de vidoeiro,

E de Príapo nos arbustos

Escancarando a senhora no swing.

No palácio de D. Phlaccus, no Professor de camisa colorida

Ele riu como um feto irresponsável.

Seu riso era submarino e profundo

Como o velho homem do mar

Escondido sob ilhas de coral

Sempre preocupado com os corpos de homens afogados à deriva no silêncio verde,

Descartando a partir de dedos de surf.

Eu olhei para a cabeça do Sr. Apollinax rolando em uma cadeira



Ou sorrindo sobre uma tela

Com algas no seu cabelo.

Eu ouvi a batida dos cascos do centauro em cima da relva rígida

Assim como seu discurso seco e apaixonado devorava a tarde.

"Ele é um homem encantador" - "Mas afinal o que ele quis dizer?" -

"Suas orelhas pontudas ... Ele deve ser desequilibrado "-

"Houve algo que ele disse que eu poderia ter contestado."

Da viúva Sra. Phlaccus e Professor e a Sra. Cheetah

Lembro-me de uma fatia de limão e uma macarronada mordida.



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domingo, 8 de agosto de 2010

Allen Ginsberg





              Desolação


 Agora a mente está clara

como um céu sem nuvens.

Tempo, então, para construir

uma casa no deserto.



O que eu tenho feito senão

passear com meus olhos

pelas árvores? Então eu

vou construir: esposa,

família e procurar

por vizinhos.



Ou eu

pereço na solidão

ou anseio por comida ou

o relâmpago ou o urso

(Deve domar o coração

e vestir o urso).



E talvez fazer uma imagem

de minha caminhada, uma

imagem pequena – santuário

ao lado da estrada para fazer

o viajante entender que vivo

aqui no deserto

acordado e em casa.




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sábado, 31 de julho de 2010

Charles Bukowski



                          Para a prostitua que levou meus poemas



alguns dizem que devemos eliminar os remorsos pessoais

do poema,

permanecer abstratos, há certa razão nisto,

mas, jezus;

doze poemas perdidos e não tenho as cópias e você

também

levou meus quadros, os melhores; é intolerável:

você está tentando me foder como os demais?

por que não levou meu dinheiro? elas geralmente

o tiram das calças do bêbado doente e sonolento na esquina.

da próxima vez leve meu braço esquerdo ou uma nota de cinquenta,

mas meus poemas não.

não sou Shakespeare

mas simplesmente

não haverá outro, abstrato ou seja lá o que for;

e sempre haverá dinheiro e putas e bêbados

até que caia a última bomba.

mas como disse Deus

cruzando as pernas:

Vejo que criei muitos poetas

mas não muita

poesia

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domingo, 25 de julho de 2010

Octavio Peñaloza





              Minha Casa

Morada de insetos, minha casa

plágio do mundo

voz que nela se perde



no meio do mar

sou um cadáver

em minha cama

que abandono

                      mulher sem nome



morto errante

pelas noites

                   volto a ela


a poeira de meu dia aterriza

o torpor da tarde azeda

canto na sala

e aplaudem os insetos


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sexta-feira, 16 de julho de 2010

Carlos Barbarito


Não importa em que língua alguém escreve.




Não importa em que língua alguém escreve.

Toda língua é estrangeira, incompreensível.

Toda palavra, assim que pronunciada,

Foge para longe, lá onde nada e ninguém pode alcançá-la.

Não importa o quanto se sabe.

Ninguém pode ler.

Ninguém sabe o que é um relâmpago

e tampouco quando ele é refletido

no metal polido de uma faca.

Agora, a noite parece um mar.

Sobre aquele mar em que nós remamos,

dispersos, em silêncio.



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sábado, 10 de julho de 2010

G. K. Chersterton




              Balada de um suicída


A forca em meu jardim, as pessoas dizem,

É nova, pura e possui a altura adequada.

Ato a corda de um modo conhecido

Como quem dá o nó da gravata numa bola;

Porém, apenas quando todos os vizinhos – na parede-

Esboçam um largo suspiro e gritam “Hurra”!

Um estranho capricho me toma... Depois de tudo

E penso que não me enforcarei hoje

Amanhã será o dia de meu pagamento –



A espada de meu tio pende no vestíbulo

Vejo uma pequena nuvem toda rosa e cinza

Talvez a mãe do reitor não chame – imagino

Que teve notícias do Sr. Gall

Estes cogumelos poderiam ser cozidos de outra maneira-



Nunca li as obras de Juvenal –

Penso que não me enforcarei hoje

Haverá outro dia para que o mundo se lave;



Os decadentes decaem; os pedantes, insípidos;

H. G. Wells descobriu que as crianças brincam;



E Bernard Shaw que elas têm rachas,

Os racionalistas crescem racionais -

E através dos espessos bosques encontro um córrego perdido

Tão pequeno que o mesmo céu parece pequeno –

Penso que hoje não me enforcarei.


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segunda-feira, 5 de julho de 2010

E. E. Cummings






    O buscador da verdade


obuscador da verdade


não segue nenhum caminho

todos os caminhos levam onde



a verdade está aqui







   O amor é um lugar



O amor é um lugar

& através deste lugar de

amor move-se

(com brilho de paz)

todos os lugares



sim é uma palavra

& nesta palavra de

sim habitam

(habilmente enroladas)

todas as palavras



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sábado, 26 de junho de 2010

Clementina Suárez


       Combate


Eu sou um poeta,

um exército de poetas.

E hoje quero escrever um poema,

um poema assobios,

um poema fuzis,

para pregá-los nas portas,

nas celas das prisões,

nos muros das escolas.

Hoje quero construir e destruir,

levantar em andaimes a esperança.

Despertar a criança,

arcanjo das espadas,

ser relâmpago, trovão,

com estatura de herói

para cortar, arrasar

as raízes podres de meu povo.




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quinta-feira, 17 de junho de 2010

Pablo Neruda



              Jardim de inverno




Chega o inverno. Esplêndido ditado

me dão as folhas lentas

vestidas de silêncio e amarelo.



Sou um livro de neve,

uma mão espaçosa, uma pradaria,

um círculo que espera,

pertenço à terra e a seu inverno.



Cresceu o rumor do mundo na folhagem

ardeu depois o trigo constelado

por flores vermelhas como queimaduras,

logo chegou o outono estabelecendo

a escritura do vinho:

tudo passou, foi um céu passageiro

a taça do estio,

e se apagou a nuvem viajante.



Eu esperei na varanda, tão enlutado

como antigamente com as heras de minha infancia,

que a terra estendera

suas asas em meu amor desabitado.




Eu sabia que a rosa cairia

e o osso do pêssego transitório

voltaria a dormir e germinar:

e me embriaguei com a taça de ar

até que todo o mar se fez noturno

e o arrebol se converteu em cinza.



A terra vive agora

tranquilizando seu interrogatório,

estendida ao pé de seu silêncio.




Volto a ser agora

o taciturno que veio de longe

envolto na chuva fria e em sinos:

devo à morte pura da terra

a vontade de minhas germinações.




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sexta-feira, 11 de junho de 2010

Jack Kerouac



Mexico City Blues - 1º Coro


A mágica colina Butte – da ignorância

A mágica Butte

É o mesmo que outra colina

Uma única luz

Velhas estradas ásperas

Uma alta forma

De ferro



Em Denver é a mesma coisa

“O cara com quem seu tio estava

Era o governador do Wyoming”

“É claro que ele me pagou o que devia”

Dez dias

Duas semanas

Guardar e fumar um baseado



“De qualquer jeito, era um velho trapaceiro”



A mesma voz no mesmo navio

O veículo supremo

S.S. Excalibur

Maynard

Linha Principal

Merudvhaga

Imersão de uma garotinha

Jack Kerouac

Mexico City Blues - 2º Coro


O homem do Oeste

Não está preocupado

Ele sabe que seu Karma

Não está enterrado



Mas seu Karma,

Desconhecido para ele,

Pode acabar –



Que é o Nirvana



O selvagem

Que mata

Possui um

Karma mau



Homens bons

Que amam

Possuem o Karma

Dos pombos



As cobras são os pobres habitantes do Inferno

Que vem se esgueirando

Pela grama alta

Para encontrar o lago com sapos

domingo, 6 de junho de 2010

William Carlos Williams




Canção de verão




Lua andarilha

sorrindo um

sorriso levemente irônico

nesta

brilhante, orvalho umedecido

manhã de verão -

um destacado

indiferente sonolento

sorriso, um

sorriso de andarilho -

se eu

comprasse uma camisa

sua cor e

colocasse uma gravata

azul-celeste

onde eles iriam me levar?

segunda-feira, 31 de maio de 2010

W. H. Auden






                    Funeral Blues

Parem todos os relógios, desliguem o telefone,

Impeçam o cão de latir dando-lhe um osso suculento,

Silenciem os pianos e abafem o tambor

Tragam o caixão, deixem as carpideiras entrar.



Que os aviões, gemendo sobre nossas cabeças,

Rabisquem no céu a mensagem Ele Está Morto.

Ponham laços de crepe no pescoço branco das pombas,

Deixem os policiais de trânsito usar luvas pretas de algodão.



Ele era meu Norte, meu Sul, meu Leste e Oeste,

Minha semana de trabalho e o meu descanso de domingo,

Meu meio-dia, minha meia-noite, minha conversa, minha canção;

Eu pensei que o amor iria durar para sempre: eu estava errado.



As estrelas são indesejadas agora; coloquem todas fora,

Empacotem a lua e desmontem o sol,

Despejem o oceano e varram a floresta;

Pois nada pode trazer algo de bom agora..

terça-feira, 25 de maio de 2010

Wallace Stevens

O Homem Neve




Deve-se ter uma mente de inverno

Para contemplar a geada e os ramos

Dos pinheiros incrustados com neve;



Por muito tempo esteve frio

Para contemplar os zimbros cerrados com gelo

Os ásperos abetos no brilho distante



Sol de janeiro; e não pensar

Em nenhum mistério no som do vento

No som de umas poucas folhas,



Que são o som da terra

Plena do mesmo vento

Que estava soprando no mesmo descampado




Para o ouvinte, que ouve na neve,

E, nada além dele, aguarda

O nada que não é e o nada que é.

Wallace Stevens

Anedota de Homens por Mil




A alma, ele disse, é composta

Do mundo externo.



Há homens do Oeste, ele disse,

Que são o Oeste.

Há homens da província

Que são a província.

Há homens de um vale

Que são aquele vale.



Há homens cujas palavras

São como os sons naturais

De suas terras

Como o cacarejo dos tucanos

Na terra dos tucanos.



O mandolim é o instrumento

De um lugar.



Nas montanhas do oeste há mandolins?

No luar do norte há mandolins?



O vestido de uma mulher de Lhassa,

Em seu lugar

É um elemento invisível daquele lugar

Feito visível.

Poemas de Wallace Stevens

                                Infanta Marina




Seu terraço era a areia

E as palmeiras e o crepúsculo.



Ela fez das emoções de seu pulso

Os gestos grandiosos

De seu pensamento.



O enrugamento das plumas

Das criaturas da noite

Veio para ser as roldanas das velas

Sobre o mar.



E assim ela vagou

Nas reviravoltas de seu ventilador,



Tornando-se do mar

E da noite

Como se eles circulassem ao redor

E pronunciassem seu som mais terno.